Compostar é transformar resíduos orgânicos em fertilizante e devolver à terra o que ela nos deu, fechando o círculo virtuoso. Ao longo desta Semana Internacional de Consciencialização sobre a Compostagem (2-8 maio), contribuiremos, através de diferentes canais, para a sensibilização sobre a importância deste “R” (“rot”) no modelo de sustentabilidade.

 

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No artigo de hoje, estivemos à conversa com a nossa fundadora, Eunice Maia, que nos conta quando e como começou a integrar a compostagem doméstica na sua vida e que impacto esse gesto teve na redução do desperdício que gerava.

Antes de entrarmos no tema da compostagem doméstica, podes explicar de que trata este processo?

Compostar é também reciclar, dar uma nova vida aos nossos resíduos orgânicos (por exemplo, restos, partes de alimentos - cascas, talos, raízes, ramas,... - que normalmente não são usados na sua confeção). É um processo biológico de valorização da matéria orgânica, durante o qual os microrganismos, como fungos e bactérias, são responsáveis pela sua degradação, transformando-a em fertilizante natural. Recentemente explicamos tudo sobre o processo de compostagem neste artigo - Compostagem de A a Z

 

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No teu livro Desafio Zero, invocas memórias de uma época em que os resíduos (ou parte deles) entravam num novo ciclo produtivo. Aliás, em tua casa havia um vermicompostor.... Conta-nos tudo!

Em casa dos meus pais e dos meus avós, estes resíduos sempre foram separados e tinham uma utilidade, um destino: ou eram dados aos animais, ou deitados na terra. Lembro-me também muito bem de em casa dos meus pais haver sempre ao lado da banca um balde em que guardávamos estes detritos, que depois eram depositados numa parte do quintal. Tínhamos (e temos) um vermicompostor (a vermicompostagem é uma forma prática de acelerar o processo natural de degradação da matéria orgânica, recorrendo a minhocas), construído pelo meu pai. Hoje digo isto com um enorme orgulho e valorizo ter tido esta experiência, mas, quando era adolescente, por vezes pensava que o meu pai devia ser de outro planeta — como assim, minhocas? Aliás, nunca me aproximei daquele perímetro sagrado por repugnância e nunca me envolvi no processo. Só sabia que,ao fim de um tempo, saía do cubículo um monte de composto que servia para fertilizar o solo de onde retirávamos os legumes que cozinhávamos. E saber isso bastava. No presente, converso imenso e aconselho-me com o meu pai sobre o assunto — longe de mim pensar que teríamos este interesse comum muito mais tarde.

Os nossos resíduos orgânicos, normalmente, são encaminhados para aterros. Que ameaças para o ambiente/seres vivos produz este tipo de solução?

Correspondendo em média a cerca de metade dos resíduos que geramos, o destino mais recorrente dos resíduos orgânicos é o aterro, uma vez que são descartados como lixo indiferenciado. Quando isso acontece, a matéria orgânica é simplesmente enterrada e desfaz-se por um processo anaeróbio, gerando gás metano, contribuindo para a poluição e aquecimento global. Ora, não faz sentido enterrar algo tão valioso. Estamos não só a contaminar e a poluir o meio ambiente, como também a desperdiçar o potencial fertilizante destes resíduos. Através da compostagem, esta matéria orgânica transforma-se em adubo e fertiliza o solo, devolvendo-lhe os nutrientes, sequestra o carbono e, assim, aquele permanece no solo por mais tempo, antes de se converter em gás metano ou dióxido de carbono. 

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                                                                                                                                                                                Imagem: divulgação

 

Numa perspetiva da compostagem, o lixo não é um fim, é antes um recurso e uma mais-valia?

Sem dúvida, e não é só na perspetiva da compostagem; o lixo só é lixo por decisão nossa. Os resíduos são recursos valiosos. No caso dos resíduos orgânicos, antes do seu descarte ou compostagem, nós podemos evitar, em muitos casos, que cheguem sequer a ser desperdiçados, usando integralmente os alimentos e tirando partido, quando tal for possível, de todas as partes (casacas, ramas, etc.), aproveitando todo o seu potencial nutricionalmente. Quando compostamos, fechamos o círculo e transformamos novamente em vida esses resíduos, porque eles vão gerar adubo, húmus. Assim, a compostagem "é uma via de tratamento ecológica que permite não só reciclar o dióxido de carbono contido na matéria orgânica dos resíduos, reduzindo a sua emissão para a atmosfera, como também fabricar o fertilizante orgânico, veiculando depois para o solo macro e micronutrientes" (1)  

Temos no nosso país bons exemplos da utilização destes resíduos?

Temos vários projetos muito bons a decorrer em todo o país e a mobilizar milhares de pessoas, dinamizados por vários municípios e também por associações e comunidades locais. Muitos com programa educativo associado e com um trabalho extraordinário nas escolas e nas instituições das áreas em que estão implantados.  Aconselho muito quem nos lê a procurar no seu concelho informação sobre estes programas. Além disso, há também uma aplicação, SHAREWASTE APP, uma plataforma internacional, com georreferenciação, na qual, após registo, é possível sinalizar a nossa disponibilidade para doar ou receber resíduos orgânicos. 

E nesta semana, dedicada à consciencialização sobre a compostagem, teremos um direto no nosso Instagram, na quinta-feira, dia 6 de maio, às 18h30, com a Luana e a Carolina, do projeto MudaTuga

 

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A Mudatuga é uma startup inovadora de educação ambiental para a compostagem e gestão de biorresíduos. A iniciativa nasceu com 4 cofundador@s e está a mudar como as pessoas se relacionam com os seus resíduos orgânicos. A Carolina e a Luana vão estar em direto para quebrar os mitos sobre a compostagem doméstica, explicar todos os segredos e tirar quaisquer dúvidas que tenham sobre o assunto.

A Carolina Bianchi é bióloga e começou a compostar em 2010! Tem experiência em projetos de educação ambiental e vive em Coimbra há quase 4 anos.

A Luana Garcia é engenheira civil e empreendedora na área da compostagem doméstica há mais de 3 anos, tendo um mestrado e MBA em gestão de resíduos.

Mudatuga

 

Inclusivamente, podemos entregar os resíduos a terceiros, entidades públicas e privados…    

Já está em curso em vários municípios a recolha seletiva deste tipo de resíduos (por exemplo, em Lisboa, no Lumiar, em Guimarães, na Maia, no Porto,... são só alguns exemplos), que passará a ser obrigatória e generalizada, fruto de uma diretiva da UE. No entanto, considero importante sublinhar que, enquanto indivíduos, podemos (e devemos) fazer muito e não precisamos de esperar pela regulação ou imposição de terceiros. Podemos procurar quintas, hortas, jardins, agricultores, produtores que recebam os nossos resíduos orgânicos (acho que há um enorme potencial nos circuitos instaurados pela entrega de cabazes alimentares que poderiam ser simultaneamente roteiros de recolha e valorização de resíduos orgânicos) e o nosso composto; podemos descarregar a aplicação ShareWaste APP, podemos até inclusivamente iniciar um programa de compostagem no nosso prédio, no nosso bairro, na nossa escola, na nossa empresa.

No meu caso pessoal, comecei a compostar graças ao projeto Lisboa a Compostar. Decidi candidatar-me ao programa promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Valorsul. Consultei a página (aconselho vivamente; há um guia de compostagem doméstica muito completo e que pode ajudar quem está noutras zonas do país e quer começar a compostar) e vi que cumpria todos os requisitos: o compostor tem de ser colocado no exterior e em contacto direto com o solo. Outros aspetos importantes são assegurar que o local de implantação seja de fácil acesso, tenha um ponto de água por perto e esteja protegido do vento. Como o dispositivo estará em contacto com a terra, é essencial garantir uma boa drenagem, para evitar infiltrações. Sublinho que estas condições são específicas deste programa, não significa que todos sejam assim.  

Com o «Lisboa a compostar», o processo foi extremamente rápido e simples: acedi à plataforma online, inscrevi-me no site do projeto e, quase de forma imediata, recebi um e-mail. Alguns dias depois, chegou a indicação da data da formação para receber o compostor. A sessão decorreu na junta de freguesia, demorou cerca de uma hora, foi extremamente elucidativa e prática, contando com a presença de muitas pessoas (incluindo algumas crianças que queriam implementar o sistema nas suas escolas e que colocaram questões muito interessantes), o que mostra bem o interesse crescente por parte das comunidades neste assunto. O conteúdo da sessão, que consta também do guia prático disponível online, passou pela de nição e explicação desta técnica e das suas vantagens; pela montagem do compostor (que nos é entregue em peças desmontadas); demonstração de exemplos de materiais a compostar (os «castanhos», ou secos, ricos em carbono, e os «verdes», ricos em azoto) e de materiais a evitar; e ainda dicas importantes para o arranque e manutenção do processo de compostagem doméstica.

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Se optarmos pelo nosso próprio compostor, como podemos fazer compostagem em casa, considerando que vivemos em espaços exíguos, por exemplo apartamentos?

Mesmo que não haja programas por perto, é possível montar o próprio compostor doméstico e tê-lo num apartamento. Lembro-me sempre da Camila Lucena (da Zero Waste Youth Portugal, que, vivendo numa autocaravana, faz compostagem. Se a Camila consegue num espaço tão exíguo fazê-lo, então, num apartamento também é possível!). Com minhocas ou sem minhocas, com baldes ou com caixas, o que interessa é conseguirmos reciclar a matéria orgânica que produzimos (na cozinha, no jardim...) e transformar esses resíduos biodegradáveis num fertilizante rico em nutrientes, valorizando o que antes era lixo e ia parar ao aterro. 

Para quem tem repugnância ou receio de minhocas, convém referir que elas não saem das caixas, não exalam qualquer cheiro e também não transmitem doenças. Conseguimos facilmente encontrar no mercado, prontas para este fim, as minhocas do tipo californianas vermelhas. Só precisamos de recorrer a três ou mais caixas ou baldes empilháveis de plástico opaco (podemos pedir em restaurantes ou outros estabelecimentos para os cederem e reutilizá-los para esse fim), sendo os dois níveis superiores digestores, com furos no fundo, para permitirem a migração das minhocas e o escoamento dos líquidos, e o nível inferior funcionará como base coletora para armazenar o biofertilizante produzido no processo, que deve ser drenado com regularidade. É rico em nutrientes e sais minerais e pode ser usado quer para regar as plantas - basta diluí-lo em água, numa proporção de 1/10 - quer como repelente natural de pragas. 

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Além desse método de compostagem em caixas com a ajuda das minhocas, também existe um método ainda mais compacto: a compostagem Bokashi. Ela pode ser feita num balde pequenino (a partir de 4 litros), e não necessita de equilíbrio de matérias secas.

A Bokashi tem uma lógica totalmente diferente da compostagem de jardim e com minhocas: o balde deve estar completamente vedado, evitando a entrada do oxigénio. É preciso apenas colocar os resíduos, compactá-los e adicionar um farelo rico em microorganismos eficientes (o famoso farelo Bokashi). Em apenas 15 dias de fermentação, tens um pré-composto! A partir daí, tens de levar esse composto para a segunda etapa, a decomposição no solo, que pode ser feita num vaso com terra (na varanda), no jardim (enterrando-se o pré-composto no solo) ou mesmo num canteiro da rua.

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Para quem ainda não tem hipótese ou não quer ter compostor em casa, há sempre a possibilidade, como referi, de entregar os resíduos, por exemplo, no mercado de produtores mais perto ou, caso exista na área de residência, num compostor ou horta comunitários.

O que podemos compostar e o que não devemos compostar?

 A compostagem só acontece se tivermos a combinação de resíduos orgânicos húmidos (cascas de frutas, legumes, verduras, borra de café, chá), resíduos orgânicos secos (palha, relva seca, folhas secas) e oxigénio. A matéria seca é fundamental para equilibrar a humidade, fazendo um balanço da quantidade de nitrogénio (húmidos) com a quantidade de carbono (secos). Se não for colocada matéria seca, os resíduos irão apodrecer e não se irão transformar em terra (adubo).

No caso da vermicompostagem, alguns resíduos devem ser evitados, pois, por se tratar de um sistema que utiliza vermes (minhocas), estes podem morrer ou diminuir drasticamente a população, caso esteja muito ácido, cítrico ou salgado. Por isso, devem ser evitados alimentos cozidos salgados e temperados, carnes, derivados de leite, cítricos (cascas de limão, laranja) e ácidos (cascas de cebola).

Já no método Bokashi, é permitido compostar qualquer tipo de resíduo orgânico, inclusive alimentos cozinhados e temperados, citrinos, cebola, ananás e outros resíduos que são "proibidos" na vermicompostagem. Assim, o Bokashi pode ser complementar à vermicompostagem para quem vive em apartamento e já está a fazer isso: ter um Bokashi pequenino apenas para citrinos, ananás e cebola/alho pode ajudar a não deixar nenhum resíduo ir para o lixo indiferenciado. 

 

Que fatores temos de considerar quando fazemos a compostagem doméstica? É expectável termos uma desilusão inicial?

Na minha experiência (tenho a ajuda de duas vizinhas), o mais difícil é regular e acertar no equilíbrio entre castanhos e verdes ou secos e húmidos. Na compostagem seca é fundamental remexer o conteúdo com frequência para oxigenar a mistura, favorecer a evaporação do excesso de humidade e aumentar a quantidade de ar. E nem sempre é fácil ajustar a temperatura e regular a humidade. Um outro aspeto em que falhámos no início foi perceber que era necessário que os detritos estivessem mais cortados, com o tamanho mais reduzido, caso contrário, atrasam o processo. 

Pode acontecer - aconteceu-nos - ter de repente uma quantidade excessiva de moscas e outros insetos; é normal e é sinal de que é preciso regular a humidade. Bastou-nos aumentar a dose de secos. 

É um desafio, mas acho que é um processo relativamente simples e autónomo - precisamos de vigiar e, por tentativa e erro, ir aperfeiçoando o desempenho. É uma lição de cuidado, de paciência e de respeito pelo ritmo da natureza e dos seus bichinhos. Depois vem o prémio no final: o composto de elevada qualidade. Compensa todo o esforço. Compostar é vida!

Entrevista (com adaptações) de Jorge Andrade publicada originalmente aqui!

 

Fontes: Manuela Costa, Fernando Miranda e Abel Veloso, III Colóquio Nacional de Horticultura Biológica.