É a artesã de cujas mãos sai um pão totalmente artesanal, de fermentação lenta, com massa mãe e cozido em formas de madeira. A Fernanda apareceu na nossa vida graças à querida freguesa Inês David e foi amor à primeira conversa. Não só descobrimos uma pessoa apaixonada pelo que faz, como um pão à antiga, feito com tempo, com bons ingredientes e, claro, bio e sem embalagem. Paciência, dedicação e carinho são as palavras de ordem neste processo. Aqui fica a entrevista que lhe fizemos para vos desvendar todos os segredos!



Muito obrigada Fernanda por te juntares a nós e acreditares no nosso conceito. É um prazer receber-te e receber o teu pão todas as semanas.

O que é um pão de fermentação natural?

Eu acho que essa é uma pergunta que tem significados diferentes para cada pessoa que faz pão. Porque nem todos os pães de fermentação lenta levam o mesmo tempo. Mas uma fermentação natural é uma fermentação que não utiliza químicos para acelerar o processo. É uma fermentação que tem tempo suficiente para quebrar a proteína e tornar os nutrientes dos cereais mais disponíveis para que o nosso organismo os absorva mais facilmente. Há fatores que influenciam a fermentação, como as condições atmosféricas, por exemplo, e creio, pela minha observação, que a lua também.



Quanto tempo demoras desde o momento em que recebes as encomendas até tudo estar finalizado?

As encomendas têm um limite de receção de 24 horas antes da entrega do pão. Isto porque, depois de as receber, faço um lançamento num mapa que me vai dar uma ficha de produção de acordo com o número de encomendas que tenho. Essa ficha de produção vai ditar a quantidade de “isco” que eu tenho de ter disponível. Ou seja, a quantidade de fermento natural, que não é mais que farinha e água. Depois eu vou alimentar esse “isco” na quantidade suficiente para produzir o pão que os meus clientes querem. O que quer dizer que o “isco” que vai fazer parte da massa do pão é alimentado pelo menos 12 horas antes da sua fermentação. E é alimentado no mínimo 3 vezes. Depois de iniciar o processo de fazer o pão eu demoro no mínimo 18 horas para que o pão saia.

Fazer pão é um trabalho de amor?

Esta alimentação do isco e a quantidade de vezes que o alimentamos vai ditar muito a acidez do pão. O meu pão não é muito ácido porque o isco é alimentado muitas vezes e é adicionado ao pão muito fresco. Se o isco não tiver alimentações recentes começa a ficar ácido, porque ele alimenta-se dos açúcares das farinhas, e se nós não tivermos alimento para ele, ele começa a aumentar o grau de acidez. É mesmo um trabalho de amor, paciência e requer muita dedicação.

Quando e como é que a paixão por este mundo da fermentação natural começou?

Pouca gente sabe esta história e eu acho que é uma história engraçada. Eu diria que isto surgiu num período em que eu queria fazer transição na minha vida. Eu fiquei desempregada em 2011, e tinha uma vontade muito grande de não voltar a um escritório. Depois de uns 2 ou 3 meses a reorganizar a minha vida, fechei a minha casa, cortei a electricidade, a internet e fui para Sul fazer voluntariado. Vivi 8 meses entre o Instituto de Permacultura de Lagos e um monte no Alentejo com um casal de idosos. E foi neste monte, no Alentejo, a fazer pão num forno de lenha com a D. Maria do Céu, que eu fiquei com o gosto pela fermentação natural. 

E voltaste para lhe mostrar aquilo que ela te ensinou a criar?

Quando isto aconteceu eu não fazia ainda a mínima ideia de que iria um dia mais tarde ter um projeto de pão. Só no ano passado é que eu voltei a casa da D. Maria do Céu, para lhe mostrar que os ensinamentos dela tinham deixado uma semente em mim. É importante que as pessoas saibam que passam nesta vida e que deixam um legado maravilhoso. Nós perdemos muita sabedoria antiga que se pode aliar à sabedoria mais moderna e mais evoluída.

E daí até chegares às receitas do teu pão?

A D. Maria do Céu fazia pão alentejano. Eu fiz pão lá e depois fiz pão no Instituto de Permacultura, em forno de lenha também. Mas, de facto, nessa altura, eu não sabia fazer pão. E a D. Maria do Céu só sabia fazer pão alentejano. Por isso, quando eu lhe fazia perguntas sobre outras farinhas e outros tipos de pão, ela não sabia responder. O que estas pessoas sabem aprenderam vendo outras pessoas fazer e ganharam essa sensibilidade. Antigamente, utilizavam-se mais farinhas brancas, mas as farinhas brancas têm um comportamento muito diferente das farinhas integrais. Nessa altura, eu senti-me completamente desprovida de conhecimento. Depois tive de fazer um percurso, estudar e explorar. No pão não há uma receita. É claro que nós temos uma receita para produção, mas o mais importante é estarmos atentos à nossa sensibilidade e capacidade de observação.

Porque é que quiseste trabalhar com farinhas biológicas?

Na altura desta transição na minha vida, eu mudei também a minha alimentação. Passei a comer apenas alimentos biológicos, porque eu acredito que o biológico é o mais isento de produtos tóxicos e aquele que o nosso corpo aceita melhor. Eu acredito e tenho que acreditar que existem leis e normas que regulam este tipo de produção.

Qual foi o primeiro pão que produziste? Lembras-te do que sentiste nesse momento?

As primeiras farinhas que usei foram centeio e espelta. Nunca quis usar o trigo moderno pela alteração que sofre hoje em dia. A espelta é uma variedade de trigo também, mas mais antiga e que sobreviveu a estas modificações todas provocadas pelo consumo em massa. Este trigo moderno tem mais proteína, tem mais glúten, sensivelmente cerca de quatro vezes mais do que o trigo de antigamente. E eu considero que é uma proteína muito modificada e mais agressiva para o nosso corpo. 

Atualmente existem 9 variedades, duas delas opções sem glúten (arroz e trigo sarraceno ou quinoa), mas vêm aí novidades, certo?

Eu fui diagnosticada recentemente com intolerância ao glúten e, por isso, senti necessidade de criar mais alternativas àquelas que já produzia. O novo pão mexe com o millet, que é um cereal alcalino; aliás, o único alcalino. E o millet tem uma coisa que me encanta no resultado final: é que a consistência parece a de uma broa, que é algo que ainda não existe no meu pão. Não terá só millet, mas ainda não decidi se o vou lançar, porque ter 9 variedades de pão exige muito de mim e do meu tempo. Exige poucas horas de sono, e neste momento eu estou a sentir isso na pele. Tenho de refletir e perceber o que será melhor para o meu corpo.

Antes, entregavas porta a porta?

Sim. Eu gosto muito da proximidade com o cliente. É por isso que procuro estar nos mercados e falar com os clientes, não só pelas coisas bonitas que me dizem, mas também pelo feedback que me dão. Tudo isso me faz feliz e me ajuda a evoluir. Continuo a dizer que não sei o que é melhor; se é receber o dinheiro dos clientes ou o carinho deles. De facto, eu preciso do dinheiro para viver, mas apreciarem o meu trabalho é algo que me faz sentir muito bem.



O "zero waste" é um tema que te faz muito sentido, afinal, estamos a falar de um pão cozido em formas de madeira e que é vendido sem embalagem. Quando é que surgiu esta necessidade de produzir com menos desperdício?

Quando vendia pão porta a porta, era em saco de papel e quando comecei a vender em mercados também. Mas depois percebi que os olhos também comem e tive de "engolir um sapo" e passar a usar saco de plástico. Hoje em dia, graças à força da Maria Granel, eu vendo pão sem embalagem. Os exemplos dos outros ajudam-nos a ganhar coragem e a tomar decisões. Os clientes podem ter acesso à lista de ingredientes de cada pão no site e podem ainda trazer os seus próprios saquinhos.



Podem encontrar o @paobioartesanal  na nossa loja todas as semanas, à quinta-feira, a partir das 12h30. Aceitamos encomendas em loja, telefonicamente ou enviando mensagem privada através das nossas redes sociais. Só precisam de nos deixar o nome, contacto, variedade desejada e quantidade. O pão e o bolo de especiarias chegam bem fresquinhos e acabadinhos de fazer! Depois, é só trazer os saquinhos de pano!

Até já!

Entrevista: Ana Teresa Rei