As perdas e desperdício alimentar são reconhecidos como uma séria ameaça para a segurança alimentar, a economia e o ambiente. De acordo com a Agência Europeia do Ambiente, e como foi referido anteriormente (Alimentação Sustentável), todos os anos são desperdiçados, ao longo da cadeia alimentar, cerca de 1/3 dos géneros alimentícios produzidos para consumo humano. [1,2]
A nível nacional, o PERDA (Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar), estimou que cerca de 17% das partes comestíveis dos alimentos produzidos, são perdidos ou desperdiçados, o que representa 1 milhão de toneladas por ano. [3]
Na União Europeia, cerca de 20% do total de alimentos produzidos a cada ano são desperdiçados, custando aproximadamente 143 mil milhões de euros. [4]
A quantidade de desperdício alimentar verificado a nível global seria suficiente para a combater a desnutrição em 1/8 da população mundial e contribuir para enfrentar o desafio de alimentar a população mundial em crescimento. [1]
Desperdiçar alimentos é dilapidar recursos valiosos - solo, água, energia, e continuar a contribuir para aprofundar o fosso inexorável entre os que têm acesso e se dão ao luxo de descartar e aqueles que nada têm. É, sem dúvida, um dos maiores (e mais lamentáveis) paradoxos do nosso tempo, é inaceitável e imoral. Não podemos, como comunidade, continuar a descartar comida. Temos o imperativo moral de a valorizar e aproveitar, porque temos a sorte de a ter. O caráter prioritário desta luta é confirmado pelo âmbito de ação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12.3, que define como desígnio coletivo “Até 2030, reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita.” [5]
Além desta dimensão social e ética, o desperdício tem também um impacto ambiental, considerando o gasto de recursos naturais escassos. Reduzindo o desperdício alimentar, podemos contribuir para a luta contra as alterações climáticas, uma vez que, por si só, o desperdício alimentar gera cerca de 8% das emissões globais de gases com efeito estufa. Menos desperdício significaria uso dos terrenos mais eficiente e melhor gestão do gasto de água. [4]
Todos temos um papel na prevenção e redução do desperdício alimentar e, enquanto consumidores, existem várias estratégias às quais podemos recorrer para otimizar a nossa gestão alimentar.
"Se apenas no Reino Unido, toda a gente parasse de desperdiçar comida em casa por um dia, poderíamos ter o mesmo impacto na emissão de GEE que plantar 0.5 milhões de árvores" (WRAP, October 2020)
Assim, seguem-se algumas recomendações neste sentido.
Planeamento e Compra [6, 7]
- Planear as refeições (por exemplo semanalmente) e realizar a respetiva lista de compras. Comprando apenas o que é expectável utilizar, haverá maior probabilidade de realmente consumir tudo;
- Fora do contexto de confinamento, para a lista de compras, considerar quantas refeições serão de facto confecionadas em casa. Quantas vezes comerei fora esta semana?
- Incluir quantidades de cada produto na lista de compras, evitando comprar em excesso;
- Verificar primeiro o frigorífico e despensa, evitando comprar produtos já adquiridos;
- Considerar os alimentos que temos em casa e que precisam de ser utilizados em breve, planeando refeições em torno dos mesmos;
- Estabelecer uma periodicidade na ida às compras, optando preferencialmente por idas mais regulares para adquirir alimentos frescos;
- Evitar ir às compras no horário das refeições ou com fome, de modo a não serem adquiridos produtos alimentares por impulso e não necessários;
- Escolha fruta e produtos hortícolas imperfeitos, ainda em bom estado para consumo, evitando que sejam deitados fora.
Preparação e confeção [6,7]
- Reduzir o desperdício na etapa de preparação, utilizando utensílios adequados (p.ex. facas afiadas, descascador, raspador, balança, copo/colher medidor(a)) e fazendo, quando possível o aproveitamento integral dos alimentos;
- Preparar alimentos perecíveis logo após a compra, poupando tempo e facilitando o seu consumo mais tarde;
- Congelar alimentos como pão, carne e até mesmo alguma fruta que não vá consumir dentro de pouco tempo;
- Congelar refeições em porções individuais poderá ser também uma boa opção para evitar o desperdício de refeições confecionadas em maiores quantidades, tendo a vantagem de ter posteriormente disponíveis refeições já preparadas;
- Incluir nas confeções partes de alimentos que geralmente não são utilizadas, como os talos, folhas e sementes de alguns vegetais.
- Aproveitar a água de cozedura dos legumes para sopas e caldos;
- Não deitar fora as cascas de determinados hortícolas ou frutas (como cebola, limão e laranja), que possam ser aproveitadas para chá ou compotas.
Consumo [6,7,8,9]
- Ajustar os tamanhos das porções de alimentos servidos, consoante as necessidades nutricionais e apetite de cada um (ajustar as porções com base nos restos deixados anteriormente no prato ou pela quantidade de comida confecionada que sobrou);
- Começar por utilizar os hortícolas e as frutas mais maduras e só depois as mais verdes;
- Consumir primeiramente os alimentos que estiverem mais próximo do prazo de validade;
- Em restaurantes, pedir apenas doses que conseguimos acabar, questionando se necessário os funcionários quanto ao tamanho das porções e, considerando também possíveis entradas ou sobremesas que possamos consumir. Levar para casa as sobras.
- Em restaurantes buffet, não colocar no prato mais alimentos do que aqueles que somos capazes de consumir.
Em artigos posteriores, arbordaremos mais algumas estratégias relacionadas com o acondicionamento, aproveitamento de sobras e aproveitamento integral dos alimentos.
Iniciativas
Com o aumento da sensibilização para as questões relativas ao desperdício alimentar, têm surgido, a nível nacional e internacional, várias iniciativas, projetos, aplicações, entre outros, precisamente com a missão de contribuir para a redução deste mesmo desperdício:
Too Good to Go: Aplicação que conecta restaurantes, supermercados, superfícies comerciais com o consumidor e permite que seja vendido o excedente alimentar, reduzindo o desperdício e otimizando os recursos, sendo os produtos vendidos a preços mais baixos.
Phenix: Esta é uma aplicação onde são aproveitados os excedentes de restaurantes, pastelarias, mercearias e cafés, mas também lojas, como floristas. Pratica preços bastante mais reduzidos, com descontos até 50%.
Olio: Nesta aplicação pode partilhar com vizinhos alimentros ou outros bens, em vez de os deitar fora. No caso de ter comida em casa que não vai conseguir consumir antes de se estragar, pode colocar na aplicação assim como ver se alguém tem comida para doar que lhe interesse.
Reefood: Talvez um dos projetos mais conhecidos, a Refood recolhe excedentes alimentares em restaurantes, pastelarias, cantinas e supermercados. Os alimentos são depois entregues por voluntários a famílias carenciadas.
Fruta Feia: A cooperativa Fruta Feia resulta de uma iniciativa para aproveitar fruta e vegetais que de outra forma seriam desperdiçadas, por não terem o aspeto perfeito ou o calibre necessário.
GoodAfter: Supermercado online dedicado à venda de produtos que se encontram perto do fim do prazo de consumo preferencial, ou mesmo ultrapassado esse prazo, estando ainda aptos para o consumo. Para além de contribuir para evitar o desperdício alimentar, tem descontos até 70%.
Kitchen Dates: Um modelo de restaurante sem desperdíco, onde não existe uma caixote do lixo mas apenas um compostor. Os produtos utilizados são sazonais e de origem vegetal. Os hortícolas vêm de um raio de 50 km, para diminuir a pegada ecológica e o resto dos produtos, não podem ter origem a mais de 500 km.
Equal Food: Startup que faz parcerias com agricultores de várias regiões do país, e também de Espanha, que fornecem excedentes imperfeitos mas, em perfeitas condições de consumo, que não são vendidos nos canais habituais. Vende cabazes de legumes e fruta até 40% mais baratos.
Desperdício Zero à Mesa com o Pingo Doce: Livro com rceitas fáceis para ajudar a reduzir o desperdício de alimentos em casa, incluindo dicas de poupança e pequenos gestos diários, que fazem a diferença.
Saudável e Sem Desperdício: Livro que aborda como pode praticar uma cozinha mais sustentável e que gere menos lixo, como ir às compras de forma mais consciente, como armazenar e preservar os alimentos e como aproveitar os ingredientes na íntegra.
Blog da Spice: Aborda para além da culinária, dicas de sustentabilidade e slow living incluindo como cozinhar sem desperdício.
Fontes:
1 - Ishangulyyev R, Kim S, Lee SH. Understanding food loss and waste-why are we losing and wasting food? Foods [Internet]. 2019 [cited 2021 Feb 4];8(8). Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6723314/
2 - Food and Agricultural Organization (FAO) of the United Nations.. Global Food losses and Food waste. Food Agric Organ United Nations [Internet]. 2011 [cited 2021 Feb 4];(May):1. Available from: http://www.fao.org/3/mb060e/mb060e00.htm
3 - CNCDA. Desperdício alimentar zero: Produção sustentável para um consumo responsável [Internet]. 2017 [cited 2021 Feb 4]. Available from: http://www.gpp.pt/images/MaisGPP/Iniciativas/CNCDA/ENCDA.pdf
4 - Food Waste | Food Safety [Internet]. [cited 2021 Feb 4]. Available from: https://ec.europa.eu/food/safety/food_waste_en
5 - Pereira N. 12. GARANTIR PADRÕES DE CONSUMO E DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEIS | ODS [Internet]. ODS. [cited 5 February 2021]. Available from: https://www.ods.pt/objectivos/12-producao-e-consumo-sustentaveis/?portfolioCats=24
6 - Reducing Wasted Food At Home | Reduce, Reuse, Recycle | US EPA [Internet]. [cited 2021 Feb 4]. Available from: https://www.epa.gov/recycle/reducing-wasted-food-home
7 - Alimentar com consciência: estratégias a implementar pelo Consumidor para repensar, reduzir, reutilizar e reciclar na alimentação diária [Internet]. [cited 2021 Feb 4]. Available from: www.apn.org.pt
8 - APA - Políticas > Resíduos > Prevenção de Resíduos > Redução do Desperdício Alimentar [Internet]. [cited 2021 Feb 4]. Available from: https://apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=84&sub2ref=106&sub3ref=273
9 - Bento A, Pimenta I, Real H. Como reduzir o desperdício alimentar. Vol. 1, Associação Portuguesa dos Nutricionistas. 2011. 33 p.