Continuando a desenvolver o tema das estratégias para a redução do desperdício alimentar (espreita aqui os artigos sobre "da compra à confeção" e "acondicionamento") , falamos hoje do aproveitamento integral dos alimentos.
O aproveitamento integral passa, como o próprio nome indica, por utilizar os alimentos na sua totalidade, ou seja, são aproveitadas as partes habitualmente não utilizadas de alimentos como as frutas e vegetais - nomeadamente cascas, talos, e outras partes consideradas menos atrativas.
Grande parte do que se descarta pode ser recuperada com a produção de alimentos totalmente suscetíveis de serem incluídos na alimentação humana. De facto, as partes não aproveitadas dos alimentos poderiam ser utilizadas, contirbuindo para o enriquecimento alimentar, diminuindo o desperdício e incrementando o valor nutricional das refeições. [1]
Na verdade, talos e folhas podem ser mais nutritivos do que a parte nobre do vegetal, como é o caso das folhas verdes da couve-flor que, mesmo sendo mais duras, podem ser mais nutritivas que a própria couve-flor.
De acordo com ROCHA et al., cascas, talos, sementes e folhas representam boas fontes de fibra, tendo-se como bons exemplos as sementes de abóbora; talos de brócolos, de couve, de espinafre; cascas de banana, de laranja, de limão, de rabanete e folhas de brócolos. Observando-se os resultados deste estudo, verifica-se também que as partes usualmente descartadas dos vegetais contêm, de forma geral, teores de antioxidantes (polifenóis) mais altos que a parte habitualmente consumida.[2]
Sendo assim, a utilização integral dos alimentos possibilita a redução do desperdício alimentar, o enriquecimento nutricional das confeções, proporcionando o aumento da ingestão de fibras, vitaminas, minerais e antioxidantes, e a inovação da culinária diária, com a criação de novas receitas. [3]
Folhas | Preparações |
Beterraba | Salteados, sopa, saladas, incorporado em bolos |
Brócolos | Sopa, refogados, chips |
Cenoura | Pesto, sopa, saladas, incorporado em bolos |
Couve-flor | Sopa, refogados, pesto |
Nabo | Esparregado, sopa, refogados |
Rabanete | Pesto, saladas, sopa |
Cascas | Preparações |
Abacaxi | Chá, sumo, bolos, doce |
Abóbora | Doce, bolos, chips |
Banana | Bolos, doce, pão |
Batata | Chips, sopa, bolinhos |
Cenoura | Sumos, chips, bolos |
Laranja | Cristalizada, chá, bolos, doce |
Manga | Sumos, mousse, bolos, gelado, doce |
Maçã | Doce, bolos, chips |
Talos | Preprações |
Aipo | Colocado em água volta a regenerar |
Brócolos | Sopa, assados |
Nabiças | Sopa, incluidos em esparregado |
Sementes | Preparações |
Abóbora | Assadas, em saladas |
Melão | Assadas, farinha, em saladas |
Papaia | Sementes secas podem substitui a pimenta |
Exemplos concretos - alimentos utilizados integralmente
Abóbora
Aipo
Banana
Batata
Café
Será importante escolher biológico?
Nas frutas e vegetais, a maior parte dos resíduos de pesticidas encontram-se retidos na superfície da casca. Esta é a razão pela qual a maior parte dos resíduos de pesticidas podem ser removidos através da lavagem, tratamentos com soluções com vinagre, bicarbonato de sódio, entre outros, ou simplesmente retirando a casca. [4]
Os produtos biológicos apresentam consistentemente níveis mais baixos de resíduos de pesticidas do que os produtos cultivados convencionalmente. [5] Desta forma, e considerando os efeitos nefastos associados a estas substâncias, para fazer o aproveitamento integral deste tipo de alimentos, especialmente, poderá ser preferível optar por produtos biológicos.
Upcycling e Root-to-Fruit/Root-to-Stem
Indo além das confeções em casa, o conceito de upcycled food, surge, definido pela Upcycled Food Association, como alimentos produzidos através de ingredientes que, de outra forma, não teriam sido aproveitados para consumo humano e, que são adquiridos e produzidos através de cadeias de abastecimento verificáveis, tendo um impacto positivo a nível ambiental, uma vez que contribuem para a redução do desperdício alimentar. A Upcycled Food Association iniciou este ano um projeto-piloto para a atribuição de certificação a produtos upcycled. [6]
De forma semelhande, mas a nível da restauração, surge o conceito de root-to-stem e root-to-fruit, referindo-se essencialmente ao aproveitamento integral de vegetais e frutas. De facto, alguns chefs começam a trabalhar e investir neste conceito, surgindo alguns restaurantes com base no mesmo.
Como exemplo, o chef britânico Tom Hunt, ativista ambiental e autor do livro Eating for Pleasure, People & Planet, desenvolveu este conceito no Reino Unido, praticando-o no seu restaurante e tendo ainda um site onde apresenta vários artigos sobre a cozinha sustentável e receitas, nomeadamente, incluindo o aproveitamento integral. [7]
A nível nacional, a empresa de alimentação coletiva e restauração Eurest apresentou o projeto Aproveitamento Integral de Alimentos (AIA), pretendendo incentivar o consumo do alimento na sua totalidade, tendo recebido uma menção honrosa no Food & Nutrition Awards da Associação Portuguesa de Nutrição [8]
Fontes:
1 - Nunes JT, Braz R, Botelho A. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Centro de Excelência em Turismo Pós-graduação Lato Sensu Curso de Especialização em Qualidade em Alimentos APROVEITAMENTO INTEGRAL DOS ALIMENTOS: QUALIDADE NUTRICIONAL E ACEITABILIDADE DAS PREPARAÇÕES. 2009.
2 - Rocha SA da, Lima GPP, Lopes AM, Borguini MG, Ciccone VR, Beluta I. Fibras e lipídios em alimentos vegetais oriundos do cultivo orgânico e convencional. Rev Simbio-Logias. 2008;1(2):135–43.
3 - Storck CR, Nunes GL, de Oliveira BB, Basso C. Folhas, talos, cascas e sementes de vegetais: Composição nutricional, aproveitamento na alimentação e análise sensorial de preparações. Cienc Rural. 2013;43(3):537–43.
4 - Bajwa U, Sandhu KS. Effect of handling and processing on pesticide residues in food- A review. Vol. 51, Journal of Food Science and Technology. 2014. p. 201–20.
5 - Mie A, Andersen HR, Gunnarsson S, Kahl J, Kesse-Guyot E, Rembiałkowska E, et al. Human health implications of organic food and organic agriculture: A comprehensive review [Internet]. Vol. 16, Environmental Health: A Global Access Science Source. BioMed Central Ltd.; 2017 [cited 2021 Jan 31]. p. 1–22. Available from: https://ehjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12940-017-0315-4
6 - Upcycled Certification Standard [Internet]. [cited 2021 Feb 12]. Available from: https://www.upcycledfood.org/certification-standard
7 - About - Tom’s Feast [Internet]. [cited 2021 Feb 12]. Available from: https://tomsfeast.com/about-tom-hunt/
8 - Food & Nutrition Awards 2012 - APN [Internet]. [cited 2021 Feb 12]. Available from: https://www.apn.org.pt/ver.php?cod=0D0F0C