Como parte de uma alimentação sustentável, devemos considerar reduzir o consumo de alimentos processados. Mas o que são alimentos processados e o que representa o seu consumo para a saúde e para o ambiente?
O que são alimentos processados?
Desde tempos antigos que se recorre a técnicas de processamento como a salga, secagem, fumagem, pasteurização, fermentação. O processamento torna possível preservar alimentos por mais tempo e durante o transporte de um local de produção para outras partes do mundo, ajudando, por exemplo, os consumidores a cobrir lacunas sazonais. É de facto importante para garantir a segurança e acessibilidade de alguns alimentos. Por outro lado, determinados alimentos são processados por questões de palatabilidade. [1]
Quase todos os alimentos sofrem algum tipo de processamento, mais que não seja para fins de preservação, pelo que se torna pouco útil classificá-los simplesmente como processados. Desta forma, vários sistemas de classificação têm sido desenvolvidos para diferenciar os alimentos consoante o processamento. Segundo a classificação NOVA, temos 4 grupos: [2,3]
Não Processados – alimentos obtidos diretamente da planta ou do animal sem sofrerem alterações depois de colhidos;
Minimamente Processados – que antes da sua aquisição sofrem “alterações mínimas, como limpeza, secagem, embalagem, pasteurização, congelamento, moagem ou fermentação”; estes alimentos, nos quais já existe adição de sal, açúcar, óleos e gorduras, assumem a forma de leguminosas secas (grão ou feijão), farinhas ou leite pasteurizado;
Processados - que correspondem aos alimentos aos quais se adicionou sal, açúcar ou gorduras (enlatados, conservas, fruta em calda, queijos, frutos secos, salgados, etc);
Ultraprocessados - passam por diferentes técnicas de processamento, aos quais são adicionados vários ingredientes, possivelmente artificiais apenas usados a nível industrial (bolos e tortas embaladas, pão industrializado de longa duração, snacks salgados, lasanhas pré-fabricadas, sopas desidratadas, caldos industrializados, refrigerantes, bolachas recheadas, massas instantâneas). Alguns destes ingredientes podem ser adicionados para fins de conservação, palatabilidade, cor, entre outros. O objetivo geral do ultraprocessamento é criar produtos alimentares convenientes (duráveis, prontos para o consumo), atrativos e lucrativos (ingredientes de baixo custo). São geralmente embalados de forma atraente e comercializados de forma intensiva.
No fundo, e segundo esta classificação, quando falamos de alimentos processados, estamos a referir-nos, de uma forma geral, aos ultraprocessados.
Implicações nutricionais dos ultraprocessados
Os alimentos ultraprocessados (AUP) são, por norma, ricos em açúcar, sal e gorduras saturadas e trans, pelo que, não serão muito vantajosos a nível nutricional. [4]
Estudos indicam que este tipo de alimentos induz um aumento da glicémia (“açúcar no sangue”), proporcionam baixa saciedade, e um ambiente no intestino que seleciona a proliferação de microorganismos que promovem doenças inflamatórias. [2]
Existe evidência significante e plausível que indica uma associação entre o consumo destes produtos e a ocorrência de várias doenças crónicas não transmissíveis, tais como cardiovasculares, obesidade, cancro, doenças gastrointestinais, entre outras. [3,5]
Implicações ambientais dos ultraprocessados
Os AUP associam-se a um baixo nível de biodiversidade, principalmente, devido à pouca variedade de plantas e animais dos quais provêm os ingredientes usados para a produção e processamento. [1,6]
Adicionalmente, a formulação de AUPs envolve geralmente ingredientes provenientes de monoculturas intensivas, para produção em grandes quantidades, sendo muito exigentes em termos energéticos. [1,6]
As calorias de origem animal encontram-se associadas a altos níveis de gases com efeito de estufa, assim como a desflorestação, com a criação de animais de forma intensiva.
Por último, fracionar alimentos crus em grandes quantidades de ingredientes para a produção de AUP exige mais energia do que consumir alimentos não processados ou minimamente processados localmente.
Os AUP de base vegetal não são, claramente, tão exigentes energeticamente em comparação com aqueles que incluem ingredientes de origem animal, mas, ainda assim, continuam a não ser muito mais sustentáveis, especialmente considerando fatores como as monoculturas intensivas. [1]
Desta forma, considerando as implicações nutricionais e ambientais, torna-se importante reduzir o consumo de alimentos processados (que são, na verdade, os ultraprocessados).
Como identificar alimentos ultraprocessados? [2,3]
Por vezes, poderá tornar-se confuso identificar este tipo de alimentos. Os produtores alimentares não têm de identificar nos rótulos o tipo de processamento dos alimentos, mas podemos identificar um AUP através da lista de ingredientes.
No entanto, alguns alimentos são mais claramente identificados como não sendo ultraprocessados dos que outros. Frutas e vegetais frescos e tubérculos, claramente não são AUP. A este grupo juntam-se produtos como o leite pasteurizado, óleos vegetais, açúcar e sal.
Alguns exemplos menos claros seriam por exemplo pães embalados e cereais de pequeno almoço. Nestes casos, devemos ler a lista de ingredientes, verificando se existe pelo menos um item que se destaque como característico dos AUP (ingredientes como emulsionantes, edulcorantes, etc). Exemplo:
Pão Embalado – Ingredientes: farinha, água, levedura e sal.
Pão Embalado Ultraprocessado – Ingredientes: farinha, água, antiaglomerante (E170), emulsionante (E471), glicose, levedura e sal.
Alguns exemplos de ingredientes que podem ser encontrados em AUP:
Proteínas hidrolisadas, isolado de proteína de soja, glúten, caseína, proteína whey, frutose, xarope de milho rico em frutose, açúcar invertido, maltodextrina, dextrose, lactose, fibra solúvel ou insolúvel, óleos hidrogenados ou interesterificados.
Nota: Alguns destes items podem ocorrer naturalmente nos alimentos mas, nos AUP, tratam-se de ingredientes que foram adicionados.
Movimento Slow Food [7,8]
Em contraste com o consumo de alimentos mais processados, nomeadamente fast-food, surge o movimento Slow Food.
O movimento Slow Food tem por fim a valorização dos produtos, do produtor e do meio-ambiente. Além disso, este movimento preocupa- -se em promover o consumo de alimentos e tradições locais, propondo a redução do ritmo de vida, o que se espelha no seu logótipo em forma de caracol, de modo a confecionar-se e saborear-se convenientemente as refeições.
Abordagem baseada num conceito de qualidade alimentar definido por três princípios interligados:
BOM: uma dieta de alimentos frescos e sazonais, que satisfaça os sentidos e seja parte da cultura local.
LIMPO: produção e consumo de alimentos que não prejudiquem o meio ambiente, o bem-estar animal ou a saúde humana.
JUSTO: prática de preços que sejam acessíveis para quem consome e condições de remuneração que sejam justas para quem produz.
Reduzir o consumo de alimentos processados/ultraprocessados trata-se, de facto, de um passo importante no sentido da realização de uma alimentação mais sustentável, contribuindo também para a melhoria da nossa saúde, aumentando o consumo de alimentos mais ricos nutricionalmente.
Fontes:
1 - Fardet A, Rock E. Ultra-processed foods and food system sustainability: What are the links? [Internet]. Vol. 12, Sustainability (Switzerland). MDPI AG; 2020 [cited 2021 Feb 25]. p. 6280. Available from: https://www.mdpi.com/2071-1050/12/15/6280
2 - Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada MLC, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: What they are and how to identify them [Internet]. Vol. 22, Public Health Nutrition. Cambridge University Press; 2019 [cited 2021 Feb 25]. p. 936–41. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30744710/
3 - Monteiro CA, Cannon G, Lawrence M, et al. FAO. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system [Internet]. 2019 [cited 2021 Feb 25]. 48 p. Available from: http://www.fao.org/3/ca5644en/ca5644en.pdf
4 - Poti JM, Braga B, Qin B. Ultra-processed Food Intake and Obesity: What Really Matters for Health-Processing or Nutrient Content? [Internet]. Vol. 6, Current obesity reports. NIH Public Access; 2017 [cited 2021 Feb 25]. p. 420–31. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5787353/
5 - Hall KD, Ayuketah A, Brychta R, Cai H, Cassimatis T, Chen KY, et al. Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake and Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial of Ad Libitum Food Intake. Cell Metab. 2019 Jul 2;30(1):67-77.e3. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31105044/
6 - Fardet A, Rock E 1. The degradation of sustainability of food systems by ultra-processed foods: the 3V rules to counteract it. 2019. Available from: https://sustainability.sciencesconf.org/data/pages/3.4FardetRock_2019.pdf
7 - Real, Helena: Carvalho T. Alimentar o Futuro: Uma Reflexão Sobre Sustentabilidade Alimentar [Internet].2017 [cited 2021 Jan 24]. 25–33 p. Available from: https://www.apn.org.pt/documentos/ebooks/E-BOOK_SUSTENTABILIDADE.pdf
8 - Slow Food International [Internet]. [cited 2021 Feb 25]. Available from: https://www.slowfood.com/pt-pt/