No passado dia 22 de março, celebrámos o dia internacional da água, uma data proclamada pelas Nações Unidas que procura alertar para a necessidade urgente de preservar e poupar este recurso natural tão valioso que é a água. Assinalámos este dia com a publicação do artigo “Dia internacional da água” no blogue e instagram da Maria Granel. Hoje, voltamos a abordar este tema, trazendo a perspetiva da alimentação e das escolhas alimentares no sentido da preservação da água, a água envolvida na produção dos alimentos, a água que comemos.
Um recurso natural escasso
Ainda que a superfície da Terra seja coberta por água em cerca de 70% da sua superfície, 96% desta água corresponde aos oceanos e apenas 2,5% corresponde a água doce. De entre estes 2,5%, apenas 1% se encontra disponível para uso por parte do Homem, incluindo atividades domésticas e agricultura. [1]
A nível global, cerca de 70% da água potável é utilizada anualmente para a produção agrícola - produtos alimentares e não alimentares. Este valor poderá aumentar considerando fatores como: [2]
- o crescimento da população mundial - e consequente necessidade de maior produção alimentar;
- as alterações climáticas, que alteram os padrões de precipitação (chuva, neve, granizo) e podem provocar situações como as secas.
Ainda que seja um recurso renovável (considerando o ciclo da água), da forma e quantidade que o Homem precisa dela, esta torna-se um bem limitado e cada vez mais escasso. De facto, segundo a ONU - Organização das Nações Unidas, estima-se que até 2050, entre 3,5 a 4,4 mil milhões de pessoas terão acesso limitado à água, incluindo a população que reside nas grandes cidades. [3] Assim, torna-se importante encontrar estratégias para conservar tanto quanto possível este recurso natural, fazendo sentido atuar numa das principais fontes de consumo, a produção alimentar.
Pegada Hídrica
A pegada hídrica surge como um indicador do consumo de água. Permite estimar o volume de água utilizada para bens e serviços consumidos pelos indivíduos (litros de água por quilo de produto, no caso dos alimentos e produtos sólidos), considerando todo o processo de produção.[4] A pegada hídrica total é constituída por três componentes:
- pegada hídrica azul - água superficial e subterrânea utilizada (ex: regas)
- pegada hídrica verde - proveniente da precipitação
- pegada hídrica cinza - associada à poluição da água após um processo de produção
Os países mais desenvolvidos têm um maior consumo de produtos e, consequentemente, uma maior pegada hídrica, considerando ainda que, diferentes produtos apresentam diferentes pegadas hídricas.
"Portugal é o país europeu com maior pegada hídrica per capita" [5]
A influência das nossas escolhas alimentares
Considerando as 3 vertentes da pegada hídrica, alguns alimentos acarretam uma maior pegada hídrica do que outros, consoate a água utilizada no seu processo de produção, a água que comemos.
Aquilo que comemos pode perfazer mais de metade da nossa pegada hídrica. Posto isto, uma das formas pelas quais podemos ter bastante impacto na preservação da água é através da alimentação, ainda que, todos os gestos que possamos ter de poupança de água, por exemplo, dentro de casa, não deixem de ser importantes.
Alimentos de origem animal
Os alimentos de origem animal, apresentam de uma forma geral uma maior pegada hídrica. Isto deve-se, em grande parte, ao processo de produção de ração para alimentação dos mesmos - aplica-se por exemplo ao caso da carne de vaca, um dos alimentos com maior pegada hídrica. Por outro lado, no caso de alimentos como os produtos lácteos, o gasto de água encontra-se também fortemente associado aos gastos ao longo da sua cadeia de produção, pois a sua utilização está normalmente vinculada à garantia das condições sanitárias e de higiene necessárias. [5,6]
De facto, a pegada hídrica deste tipo de alimentos, acaba por ser bastante superior à de alimentos de origem vegetal.
Alimentos Processados
A produção de alimentos processados/ultraprocessados (refrigerantes, batatas fritas, pizzas congeladas...) acaba por requerer mais água do que os produtos no seu estado "natural". Enquanto que nos últimos mencionados, a pegada hídrica é referente quase exclusivamente à água necessária para os cultivar, os alimentos processados requerem água adicional para os processos a que são sujeitos a nível industrial. [7]
Desperdício Alimentar
Considerando que todos os alimentos que chegam até nós tiveram um gasto de água associado, seja este maior ou menor, o desperdício dos mesmos significa também o desperdício dos recursos que foram investidos para os produzir, neste caso de água. Assim, adotar estratégias que permitam minimizar o desperdício alimentar, podem ajudar-nos também a conservar água. Vê algumas dicas no artigo "Estratégias para a redução do desperdício alimentar". [8]
Pegada hídrica dos alimentos
Fonte: Ferraz, A., Gonçalo, C., Serra, D., Carvalhosa, F. and Real, H., 2020. Água: A pegada hídrica no setor alimentar e as potenciais consequências futuras. Acta Portuguesa de Nutrição.
Como podemos poupar água através da alimentação, em 4 passos?
- Reduzir o consumo de carnes vermelhas;
- Incluir algumas refeições de base vegetal ao longo da semana, com as leguminosas como fonte de proteína;
- Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados (bom para a nossa saúde e do planeta);
- Reduzir o desperdício alimentar.
Fontes:
1- Sapkota, AR. Water Reuse, Food Production and Public Health: AdoptingTransdisciplinary, Systems-Based Approaches to Achieve Water and Food Security in a Changing Climate. Environmental Research 171. 2019: 576–80
2 - Harris F, Moss C, Joy E, Quinn R, Scheelbeek P, Dangour A et al. The Water Footprint of Diets: A Global Systematic Review and Meta-analysis. Advances in Nutrition. 2019;. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31756252/
3 - . Dia Mundial da Água. Nações Unidas - ONU Portugal [Internet]. c2020 [citado 2020 Mar 5]. Disponível em: https://unric.org/pt/dia-mundial-da-agua
4 - Food’s Big Water Footprint [Internet]. Water Footprint Calculator. 2022 [cited 25 March 2022]. Available from: https://www.watercalculator.org/footprint/foods-big-water-footprint/
5 - Ferraz, A., Gonçalo, C., Serra, D., Carvalhosa, F. and Real, H., 2020. Água: A pegada hídrica no setor alimentar e as potenciais consequências futuras. Acta Portuguesa de Nutrição.
6 - Hallström E, Carlsson-Kanyama A, Börjesson P. Environmental impact of dietary change: a systematic review. J Cleaner Prod 2015
7 - Garzillo JMF, Poli VFS, Leite FHM, Steele EM, Machado PP, Louzada ML da C, et al. Ultra-processed food intake and diet carbon and water footprints: a national study in Brazil. Rev Saude Publica [Internet]. 2022 Feb 18 [cited 2022 Mar 25];56:6. Available from: /pmc/articles/PMC8859933/
8 - Marston LT, Read QD, Brown SP, Muth MK. Reducing Water Scarcity by Reducing Food Loss and Waste. Front Sustain Food Syst. 2021 Apr 1;5:85