No final do mês passado, participámos no congresso "In Sustentável", destinado a empresas e empresários portugueses com o objetivo de partilharem as suas conquistas (e desafios) na transição para um desenvolvimento corporativo mais responsável. Um dos painéis que mais nos captou a atenção foi o da especialista em economia circular Cristina Rocha. E é precisamente a propósito das questões levantadas por ela que dedicamos este artigo à temática do Ecodesign como impulsionador da Circularidade. 

 “Não temos um problema de resíduos e sim de design” - Foi com essa frase que a investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) Cristina Rocha iniciou a sua apresentação e nos convidou a ampliar a visão sobre os resíduos e a perecibilidade dos produtos.

 

economia circular 2                                                                                                  Fonte: Reformarsemquebrar.

 

A economia circular passou a ser uma expressão muito ouvida (e discutida) ultimamente graças aos esforços e compromissos assumidos pela União Europeia (e outros países) de atingirem a neutralidade carbónica até 2050 (Acordo de Paris). Ela prevê a recirculação dos materiais descartados na cadeia produtiva de novos produtos, evitando que esses sejam destinados aos aterros sanitários e que novas matérias-primas sejam extraídas. 

Numa entrevista cedida recentemente à Revista Sustentável, Cristina diz: “A economia circular surge como uma grande preocupação do ponto de vista dos recursos materiais, mas percebemos que tem um papel muito importante na questão da energia, porque representa um potencial de redução de 56% das emissões de gases de efeito estufa nas indústrias pesadas como o aço, plásticos, alumínio e cimento. Se utilizarmos materiais reciclados nestas indústrias poderemos eliminar mais da metade das emissões, e isto é muito importante para o combate à emergência climática”

 

E onde entra o ecodesign? 

Por mais novo que o conceito possa parecer, ele é trabalhado há 30 anos e vem ganhando espaço nos últimos anos. Segundo a especialista, nunca tivemos um contexto tão favorável à aceitação desta nova estratégia de design como agora. “É na fase do design que cerca de 80% do perfil de sustentabilidade de um produto fica determinado”, explica Cristina. 

E continuou a sua exposição dizendo que até aqui, quando o ecodesign era trabalhado, era numa perspectiva de encontrar estratégias para o fim da vida, para tornar o produto mais reciclável e menos tóxico para os aterros, no caso de irem parar lá. Com o ecodesign ou o design circular os produtos são projetados para não terem finais de vida, ele surge para se manter eternamente em circulação na economia. 

A especialista explica ainda que tudo isso é um desafio novo para os designers. A lógica de um produto deixar de ter um fim de vida ainda é, de certa forma, teórica, mas é por meio desta mentalidade que os novos produtos serão projetados para serem mais duráveis, reparáveis e reutilizáveis. “O papel dos designers deixou de estar centrado nos objetos e passou a estar centrado nas funções”. 

  

Economia Circular - Cenário Mundial 

O Relatório de Lacuna de Circularidade (Circularity Gap Report) apresenta, anualmente, o poder da economia circular para atender equitativamente às nossas necessidades e desejos globais, mas com radicalmente menos materiais e emissões. 

Com base nos cinco anos de existência do Relatório, constatou-se que os níveis crescentes de resíduos acompanham a rápida aceleração do consumo: mais de 90% de todos os materiais extraídos e usados ​​são desperdiçados. Ou, por outro lado, apenas 8,6% voltam à nossa economia. 

Outro dado divulgado é que entre a COP25 em Paris, 2015, onde o Acordo de Paris foi formado, e a COP26 em Glasgow, 2021, 70% mais materiais virgens foram extraídos do que a Terra pode regenerar com segurança. Noutras palavras , ao longo dos seis anos entre as conferências, a economia global consumiu meio trilhão de toneladas de materiais virgens.

Mesmo se olharmos para os países com taxas de circularidades altas, como a Holanda, que possui uma taxa de 30% de circularidade, ainda assim, há 70% de materiais que precisam ser extraídos (virgens) para corresponder às necessidades da economia. 

E Portugal? A nossa economia é apenas de 2,2% circular, segundo a investigadora.

 

Os dados e as informações trazidos pela especialista em Economia Circular apontam um caminho longo para percorrermos que exige esforços de todos os lados: governo, economia, população e, sobretudo, mudanças de comportamentos. E é nesse último que o design pode e vem influenciando novos hábitos. 

Exemplos inspiradores de Ecodesign

Há disponível no mercado uma linha de chuveiros que possui um sistema de luzes com cor, que indica se o duche está dentro do período suposto (cor verde), passando pelo amarelo até chegar a cor vermelha que indica ter ficado tempo demais debaixo de água.


economia chuveiro

Cristina Rocha apresenta-nos também um caso em Estocolmo (Suécia), onde numa estação de metro há uma escadaria que recebeu uma intervenção onde cada degrau emite o som de uma nota musical. A iniciativa de design incentiva a população a utilizar as escadas, o que por si só já é uma prática saudável, além de diminuir o gasto de energia utilizado nas escadas rolantes. 



 

Sabias?

Em Portugal, mesmo tendo apenas 2,2% da nossa economia circular, inovamos nesta matéria. Isso porque, em 2019, a Universidade de Aveiro lançou a primeira disciplina de design circular do país e uma das primeiras na Europa. 

 

O caminho é longo, mas medidas como as que partilhamos e outras tantas que estão em fase de modelagem indicam-nos que estamos, no mínimo, a questionar os padrões e comportamentos de consumo e pouco a pouco vamos saindo do lugar que já ficou (mais) do que provado que não é sustentável a médio/longo prazo. 

 

Até já!

(Imagem da capa - Divulgação)