O Natal não é ornamento: é fermento

Tolentino Mendonça

 

Estando em Lisboa, longe das minhas raízes, o Natal é para mim um momento por excelência de regresso e de família por que espero o ano todo. As minhas memórias mais remotas estão povoadas de serões na aldeia, à lareira, com a mesa cheia de primos e tios que, espalhados pelo mundo, não via há meses; abraços de saudade e muitas, muitas histórias que conjugam o verbo «partilhar» e que, ainda hoje, me fazem sorrir.

Começo exatamente por aqui, porque foram estas imagens que me ajudaram a perceber o melhor do Natal: o regresso, o reencontro, o afeto.

Todos os anos ouvia o meu pai a pedir que não gastássemos dinheiro em prendas. E não entendia o pedido; para ser muito franca, até levava a mal, porque os presentes tinham sido comprados com tanto empenho, com tanto esforço... Na minha cabeça, na altura, essa frase era uma espécie de «balde de água fria» e de desvalorização completa da minha dedicação. Hoje, sou eu que repito todos os anos o pedido do meu pai, porque percebi  finalmente que o Natal é estar com. É partilhar amor. É ser presente, em vez de dar presente(s).

Num tempo em que o tempo parece escorrer-nos pelos dedos, em que a voragem toma conta do nosso dia a dia, em que o calendário do Advento parece reduzir-se a 24 e a 25 de dezembro, sinto cada vez mais falta de um Natal vivido por dentro. Sinto cada vez mais falta de uma certa lentidão que se contraponha à urgência e à vertigem da publicidade, dos centros comerciais, da black friday, das promoções, das  filas, dos parques entupidos, em suma, do consumismo...

Descobri o prazer de «perder» tempo a fazer em casa os presentes, a embrulhá-los em pano, a pensar na decoração da mesa e da casa, a expor os símbolos do Natal e a recordar o seu significado mais profundo. Penso novamente em Tolentino Mendonça, numa crónica sua: «Talvez precisemos de voltar a essa arte tão humana que é a lentidão». É mesmo isto! Tem sido esse o meu exercício nos últimos anos. Em contraciclo. Desacelerar. Investir amor e tempo onde e quando o consumo nos propõe investir dinheiro e rapidez. E quando houver presentes, que sejam presentes com propósito, com sentido e com amor. Menos «ornamento». Mais «fermento».

Aqui fica, por isso, o desafio: fazer do Natal uma época com menos desperdício, com mais consciência. O que podemos fazer? Ao longo dos próximos dias, vamos deixar várias ideias, pequeninos gestos, aqui no blogue. E criámos também um e-book gratuito chieo de sugestões, que podes consultar aqui.